por Daniel Gutierrez
Tem horas que a gente trupica no próprio costume, nos dois sentidos dessa última palavra. O evento da noite era o "Prosa de Saberes", com o Embaixador Lauro Moreira, diplomata chefe da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa no Brasil. E eu fiquei incumbido de cobrir o evento para a rádio Eldorado, aqui de Ribeirão, onde trabalho. Bom, o evento estava marcado pra ser no Instituto de Línguas Estrangeiras da Unaerp, onde estudo.
Como não podia deixar de ser, o palestrante destacou no evento algumas peculiaridades e diferenças de uma mesma língua nestes quase dez países lusófonos. Daí que aprendi que, em Portugal, o que pra nós é fato (indispensável ao jornalista, pois é de onde se compõe a notícia), para eles é facto. O que para eles é fato, para nós é roupa, costume, vestimenta. Todo este enrolabolas, eu fiz para poder trocadilhar o seguinte, em Português português: o facto é que meu fato foi mal pensado.
Errei a roupa, bolas! Era um bando de pseudo-intelectuais ouvindo um verdadeiro intelectual, mediado pelo meu colega e amigo Marco Antonio dos Santos, e este jornalista cabeludo, barbudo, chega ao local de camiseta, bermuda e chinelo. É. Eu fui cobrir um evento assim. E claro, com o gravador, o bloquinho e a caneta em mãos. Esqueci que ia trabalhar antes da aula... Me vesti como costumo ir para estudar! E deu no que deu.
As organizadoras do evento, senhoras (madames, peruas, chame como quiser) do curso de letras, TODAS me olharam de cima abaixo, e perguntaram o que eu fazia ali. Eu, mostrando o gravador, respondi, todas as vezes: “sou Daniel Gutierrez, da Rádio Eldorado daqui de Ribeirão. Vim cobrir o evento.”
Ouvi pacientemente o Seo Lauro falar -- muito sabiamente, e por quase duas horas -- da história dos países lusófonos, desde Portugal até o Timor Leste, passando por Brasil, Moçambique e todos os outros. No fim, fui tentar pegar com ele um horário pra conversarmos ao vivo na rádio. À senhora loura (pálida) de vestido longo, coordenadora do curso de Letras da Unaerp, pedi licença. O mesmo fiz com Fatu, coordenadora do evento, se não me engano, ou algo assim, e com um senhor alto, negro (lembrava o Seal, sem as cicatrizes no rosto), de voz grave, terno preto de risca de giz, que acompanhava atentamente a tal da “prosa.”
Fui falar com Seo Lauro, que ainda sentado, me acolheu com educação, requinte e cordialidade ímpares, apesar dos meus incorretos cabelo, barba e vestuário. Peguei seus telefones e prometi ligar na semana seguinte pra conversarmos ao vivo na rádio (ele estava de mudança para Ribeirão, e o caminhão sequer havia descarregado seus bens naquele momento).
Ali eu entendi a diferença entre quem sabe e quem não sabe das coisas: eu buscava conhecimento. Nu ou vestido, não importava, ora pois. Afinal, quem queria saber era eu. Não meu fato.