por Daniel Gutierrez
As manchas de sangue dominavam cada greta, cada canto, cada rachadura das paredes, do chão, e daquela mesa -- imunda, com lascas de carne, osso e gordura. O aspécto mórbido do salão era completado pela essência fétida de carne morta, fresca. Do silêncio que emanava dali, não se podia partilhar da dor que resultara dos golpes de machado e marreta que mataram tudo que ali estava morto.
Das duas passagens que havia na sala, uma estava cerrada e tinha uma portinhola vazada. Da outra, se via sair certa fumaça, de tão frio que era o ambiente além dali. Interrompe este vapor um homem: imenso, pálido, de barba cerrada, não menos que a porta. Numa mão, uma carcaça, empunhada pelo osso... talvez um fêmur, quem sabe...? Na outra mão, 50 centímetros de lámina, reluzindo no corte de tão afiada.
De um só movimento, jogou o pedaço de cadáver na bancada, ainda suja. De um só golpe, cortou com o cutelo uma farta porção daquela carne. Tinha na face um olhar de prazer, como quem bem cumprisse seu trabalho.
Lá de fora, um grito irrompeu aquele silêncio... e pôs ao chão a macabreza de todo o conto:
"Oh, seu açougueiro! Se for de porco, quero três bifes desse pernil!"
Vale lembrar que não sou vegetariano. Os motivos deste continho são: brincar com nossas capacidades de percepção, além de levantar um autoquestionamento sobre o modo, muitas vezes indigno, com o qual tratamos os animais que usamos pra nossa própria sobrevivência. Se, com você, consegui cumprir só um desses dois intuitos, estou feliz.