Sem linha fina, porque com essa idade, tá difícil enxergar.
Eu não me conheço. Você acha que foi fácil pra mim voltar aqui pra escrever um texto e começar logo assim, com uma negativa sobre mim?! Então você também não me conhece. O que não deve ser muita surpresa, já que – acredite, nem eu me conheço.
Há dez anos talvez eu pensasse que dava pra contar nos dedos quantas pessoas realmente me conheciam. Hoje, eu já nem sei se dá pra basear entre os cinco dedos de unhas compridas da minha mão direita. Quatro, porque eu parei de deixar crescer a do mindinho. Sim, isto aqui é um textão com cara de diário fazendo uma reflexão sobre a minha vida. Porra, eu to fazendo 30 anos!
Fim de um ciclo, começo de outro... nhé. Eu tento a vida inteira não ser clichê. Fica calmo, não é aqui que vou ser. Fica vendo.
O fato é que eu acabei de concluir a terceira década da minha vida e to começando a quarta. Eu comecei isso aqui dizendo que não me conheço. E se parasse por aqui, tava ótimo! Mas não. É exatamente olhar pra isso – três décadas de história – e ver que ainda há tanto pra eu saber. Mesmo quando eu olho pra trás e vejo o tanto de coisa que eu já sei.
Esses dias, vim almoçar ouvindo uma música na Difusora – minha frequência preferida. Me dei conta que não conhecia aquele tema. Em casa, o rádio ligado na Diário – frequência preferida da minha mãe, tocava uma música das antigas. Também percebi que não a conhecia – enquanto minha mãe cantarolava. Pouco depois, a mesma Diário tocou uma música – que eu não conhecia, mas cuja voz parecia ser da Rihanna, portanto, bem atual. Pasme: minha vó de 87 anos tava cantarolando enquanto lavava a louça. Ia saindo pra voltar pro trabalho, o rádio da loja ao lado de casa, sintonizado na Clube – frequência preferida do povão – tocava uma música que, adivinhe, eu também não conhecia.
Aí meus alunos de bateria e violão chegam mostrando “essas músicas daorinha que todo mundo tá curtindo e eu quero aprender a tocar” que eu nunca ouvi e que, se não fosse por eles, nunca ouviria. Por que isso me preocupa? Gente, não precisa me conhecer pra saber que eu sou músico e tenho, na música, a minha principal fonte de renda hoje. Não é desespero, é só uma constatação: eu não conheço muita coisa.
Não conheço direito o meu corpo. Tenho trinta anos e, esses dias, fui peidar e me caguei. E meu intestino é algo que eu tenho desde eu nasci! É mole!? Muito! Puro líquido, aliás. Credo.
Eu imaginava, quando era mais jovem – porque eu ainda me considero jovem – que envelheceria com a cabeleira cheia, grisalha, ouvindo blues, fumando charuto e tomando uísque numa poltrona à meia luz na minha sala de leitura (clichezaço!). Em vez disso, to envelhecendo superobediente à genética, que quis que eu fosse ficando lentamente careca, enquanto poucos fios vão branqueando. Quem conhece minha família, sabe do que eu to falando. O cabelo cumprido é porque eu gosto, mesmo, não pra disfarçar as entradas. A barba cumprida é pra desenhar o rosto, mesmo, não pra parecer mais velho. Não gosto de cumprimentos por rede social no dia de aniversário (nem de dar, nem de receber), porque acho que isso tem que ter calor humano, físico, mesmo. Não que eu queira justificar nada. Mas se você queria saber meus porquês, aí estão.
Eu não me conheço. Pelo menos, não completamente. Na verdade, sei pouco de mim. Há muito o que saber. Acho que sempre vai ser assim. Há 10 anos, eu tinha certeza que jamais voltaria a dar aula de alguma coisa. E olha eu aqui, escrevendo enquanto minha aluna de violão não chega. Há cinco anos, eu afirmava que nunca seria assessor de imprensa. Quanto menos de político! E fui, por três anos. Há um ano, eu achava que esse blogue não receberia novas publicações. E... o tempo passa, as opiniões mudam e a gente, que achava que se conhecia, se estranha em cada coisa...
E também não sabem tudo sobre mim aqueles que convivem comigo, meus familiares, minha namorada, meus amigos – nem os mais íntimos, nem os distantes. Muitos deles acham que têm meu mapa. Alguns têm e não sabem. É a vida.
Trinta primaveras. E eu ainda vivo com meus pais. Hm. Que coisa é a vida, não?