terça-feira, 23 de novembro de 2010

Respeitável frota!...

por Daniel Gutierrez

“Vai, que fechou,” exclama o mais alto. E corre pro meio da faixa de pedestres. O outro, logo atrás, junta os pinos e o monociclo – que beira um metro e meio de altura, do selim à extremidade da roda. Corre, sobe no negócio com destreza... menos de um segundo e já está equilibrado. Os malabares começam a girar no ar: são três pra cada. Primeiro, os meninos jogam as claves para o alto, sem trocar. Depois, com ar de provocação, como quem quisesse atrapalhar o outro, um deles lança um pino entre os do parceiro, que devolve um dos seus. O ato é repetido, sem que os espectadores demonstrem cansaço. Por fim, os dois pegam as seis claves, levantam os braços, o que estava no monociclo pousa no chão como pluma. Hora do agradecimento, sem aplausos. Todo esse espetáculo dura meio minuto e tem apenas um holofote: a luz vermelha do semáforo.

Assim que acaba o show, a platéia se retira, mas não sai por onde entrou: invade e atravessa o picadeiro, que não tem lona, nem cortinas – tem asfalto e faixas no chão. A paga é boa? “Nada... um ou outro motorista joga uma moeda pela janela enquanto a gente tá brincando. No fim do dia, a gente tem uns trocados”, conta Sil, o menor. “Mas dá pra viver”, retruca o outro. “É. Dá.”

Da calçada, vê-se dois artistas mostrando suas habilidades – espetáculo digno de estar em cartaz nestes gran-circos que a gente vê por aí. Quem assiste? Os olhos frios, acesos nos faróis de cada veículo. Os rapazes entram, dão show, saem... mas a expressão é sempre a mesma: Gols, Corsas, Unos e tantos outros apreciam, não a arte no sinal, mas a mágica bicromática do semáforo.

“Esse povo que vive e trabalha em circo não passa os dias melhor que a gente, não,” garante Sil. “A gente é livre. Só muda de esquina quando o movimento muda de lugar.” Para o mais alto, o circo de rua só inverteu a ordem das coisas: “Lá, eles esperam a cortina abrir. Aqui, a gente espera o sinal fechar.”


Publicado no Jornal do Ônibus de Ribeirão Preto, na edição de novembro de 2010.

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