por Dan Gutierrez
Eu hoje me lembrei da rua dos Preguiças
Daqueles dias de moleque mirim
de pés descalços na sarjeta da ladeira do Itaim,
das correrias pelos becos, galerias,
brincadeiras, gritarias...
Do pique-esconde, o pega-pega,
o pega e beija, escondido do padre
da capelinha amarela...
Eu vi teus olhos verdes, puxadinhos, de moleca,
esparadrapo no queixo machucado, de sapeca
Você escondida entre os galhos da sibipiruna,
lá do alto, espiando os meninos tomar banho
nos fundos do Itaúna,
o clube que só os mais velhos podiam entrar
e a gente sonhava: o que é aquilo
que solta fumaça no copo do bar?
Lembra que eu subi no ipê roxo
pra te chamar a atenção?
De tanta inveja dos pelados que você olhava,
desequilibrei e dei com a cara dura no chão.
Você me ouviu despencar
e percebeu que eu te espiava a espiar
E mais que o ipê, você roxeou de vergonha
mas saltou e, num pouso feio, de cegonha,
me ajudou a levantar, e perguntava:
machucou, moleque louco?
Como é que sobe de braço quebrado
em galho oco de ipê?
E eu dizia, feliz com teu afago:
tenho poderes de mago,
e do meu braço quebrado, eu já até esqueci.
Eu só queria ter no meu queixo,
um esparadrapo bonito, como esse
que você tem aí.
E de queixo ralado, sangrando um pouquinho,
me acheguei do teu lado e sussurrei,
bem baixinho:
mas na falta de outra atadura,
me contento com a tua assanhadura.
E se quiser me dar um beijo,
eu saro do desejo
de ter um queixo igual ao teu.