quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Feliz segundo novo!

Pra acabar o ano -- instantes antes de entrar no carro e ir pra praia --, talvez a maioria de vocês escreveria um texto falando de renovação, vida nova, algo que tenha a ver com os temas 'ano novo', 'virada', 'retrospectiva' ou coisa assim, né? Bom, eu não sou da maioria e, modéstia a parte, o que vocês têm a ver com isso? hehe Antes de me trucidarem com pensamentos e palavras blasfêmicos, calma... é só brincadeirinha. Mas aí vai meu texto que, na minha opinião, tem tudo a ver com fim de ano.

Baseado em fatos reais
(como a maioria das minhas estórias. mas essa faz sentido comentar)

por Daniel Gutierrez


19h. Toda a família tratava de acertar os últimos detalhes para a viagem que aconteceria na primeira meia-hora do dia seguinte. Naquele momento era a hora que o vô e a vó costumavam ir pra cama, por isso a mãe bateu à porta do escritório e disse "Téo, vá dar um beijo nos seus avós. Eles já estão pra fechar a porta". Eu: "Já vou."

Os velhinhos, perto dos 80, moram na casa da frente. Ele faz radioterapia, contra a tal doença na próstata mas, apesar da carta de lamentações, decorada e declamada todos os dias a quem pare para conversar, é bem humorado toda-a-vida. Ela, o aguenta há quase 60 anos.

"Vô, vó... fiquem com Deus, viu? To indo pra praia. Tenham uma boa virada de ano." Ela: "Oh, filho... obrigado! Boa viagem, vão com Deus. Não fossem as dores do seu avô, a gente até iria..." Tudo mentira... é difícil levá-los pra casa do meu tio, que é na cidade vizinha, longe 30 quilômetros... como iriam pra praia, há mais de 400?! Ele: "Não esquece de mandar meu abraço a todo mundo lá, viu? A namorada vai?" "Vai, vô." A vó: "A mãe dela não vai?" "Não, vó. Da família dela, só vai ela."

Então o vô puxou o papo que sempre tinha, falou do que fazia pra tapear as dores e passar o tempo. Me levou até o quintal e mostrou as correntinhas, rolos de fio encapado ou não etc. Tudo era resultado de tardes que ele passava "trabalhando" em materiais que qualquer um -- inclusive ele -- trouxesse da rua. E me contou das bengalas que fez com restos de cabos de vassoura e rodinho de banheiro. A vó, sempre querendo roubar um pinguinho da atenção, interrompia nossa conversa, na maioria das vezes sem sucesso, dizendo que aquilo ia longe... e contava sempre com minha resposta: "Deixa, vó". De repente, ela pergunta: "Não vai ninguém da família da sua namorada? Nenhum irmão?" "Não, vó".

Hoje o vô repetiu a história do rapaz que o parou na farmácia pra perguntar onde ele havia comprado aquela bengala que usava. Ele: "ieu feiz...", com aquele sotaque arrastado do caipira, filho de espanhol, que cresceu num lugar colonizado por italianos. Segundo o vô, o moço achou o equipamento muito bonito e útil, já que seu pai tinha cerca de 90 anos e mal podia andar sem se apoiar. Outra vez, o patriarca narrou a boa-ação que foi pedir que o homem passasse em casa pra pegar, de graça, uma das cinco ou seis bengalas que ele fizera.

Toda vez que vou ali, na casa deles, seja pra tomar café e comer pão, ou pela simples opção de passar pela casa deles quando chego do trabalho, é sempre o mesmo papo do vô, as interrupções da vó e minha atenção gratuita, que parece ser tudo que eles têm. Todo dia.

Quando percebi a brecha, ia me despedindo. Pra ser gentil, disse "se cuidem. E o senhor, vô, não vá dar trabalho à vó, hein." Tá, eu gritei isso. Ele não ouve bem. Ele respondeu: "Hoje sua vó disse que ia me visitar." Eu, sabendo a resposta: "onde?" "No velório!... só que ieu ainda nom foi lá." E caimos os três na gargalhada. Eu completei: "olha lá, o dia já tá terminando!..." A vó: "ele não tira essas coisas da boca!" Já saindo, eu disse: "só não vá deixá-la louca!" Ele: "mais?!" Outra gargalhada, um até logo, um vá com Deus, um Deus te abençoe e dois améns.

Comigo já na porta da sala, o vô lembrou: "não vai esquecer de mandar meu abraço e feliz ano novo pra todo mundo lá, hein..." "Tá, vô. Tchau." Eu, com toda essa vida pra viver, achei interessante nessa historia que, pra eles, também é ano novo. E um ano novo já gozando com a vida e com a morte!...

Afinal, e daí? Todo dia é um novo dia, como não seria cada ano um ano novo? Passar um segundo já é um estigma de mudança, de evolução temporal, pelo menos. Por isso, vamos dar menos importância para datas definidas por convenção e, em vez disso, viver a vida, faz favor?



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Sim, o Téo sou eu.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Gildo, o suicida arrependido

IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 18 ANOS


por Daniel Gutierrez


Gildo era um cara pacato: comia arroz com feijão e, quando faltava a farofa, o ovo frito servia; fazia o serviço e, bem ou mal, levava patada do chefe; dava flores e chocolate pra noiva, amava como os homens amam e, se a cor das unhas mudasse de "vermelho terra" pra "marrom argila" sem um "Que lindo" que viesse dele com ar de sinceridade, Gildo voltava pra casa sem um beijo de boa noite.

Naquele dia, Gildo acordou decidido: "Vidinha filhadaputa. Vou me matar."

Gildo era um cara quieto, mas tinha lá suas sacadas. "Vivi a vida tão certinho... me mato ainda hoje, mas quero ter razões pra ir pro inferno." Foi pro trabalho de carro e sentiu que nada mudava se, em vez de esperar, ele atravessasse o sinal vermelho às 5h20, desde que olhasse os dois lados. Abriu a firma, ligou todas as máquinas e, sozinho, trabalhou como se fosse qualquer dia. Quatro horas depois o chefe chegou e notou a luz de fora ainda acesa: "Gildo! A porra da luz tá acesa!" Ele: "Vai tomar no olho do seu cú, velho brocha, careca, muquirana!" Um breve silêncio e "clique", seu Enaldo apagou a "porra da luz". Saiu pra almoçar na hora do almoço em vez de terminar todo o serviço da manhã antes. Parou pra tomar café e água quantas vezes quis -- três pra cada -- e viu que isto não atrasou o trabalho.

No fim do dia, saiu da firma e, em vez de ir pra casa da namorada, passou na avenida, pegou uma puta que parecia ser novinha. Tirou do bolso a nota amassada de 50 reais, lançou nos peitos da moça, tirou o pinto da calça e disse: "Me faz gozar em menos de meia-hora. Não pago mais do que isto."

Com as pernas bambas, saiu dali e parou num posto. Comprou cerveja e bebeu. "Trem salgado!..." Lúcido, dirigiu um pouco mais. Parou o carro na frente da casa do ex-colega de escola, aquele que fazia questão de -- sempre -- azucrinar a vida do pobre Gildo. O portão era baixo, se via a janela da sala aberta. Na garrafa, vazia, mijou até mais da metade. Olhou a obra: "molotov de mijo... hehehe". Jogou pra dentro da casa e saiu assim que a ouviu espatifar-se.

Parou em frente a uma construção abandonada da cidade. tinha uns oito andares. Saiu do carro, entrou e subiu até onde dava. Lá do alto, parou na borda do chão. Antes de se jogar, pensou e percebeu que aquele dia valera a pena. "Como fui mané... a vida é boa, eu é que não sabia viver!" Desceu do prédio e andou até o carro. Na calçada, um nóia parou e pediu a carteira. "Vai se foder. Não tenho dinheiro."

Gildo tomou um tiro e morreu, arrependido por não ter se matado.


Moral da história?
"E a vida lá tem moral, afinal?"

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A vida é uma rodovia

por Daniel Gutierrez

Não é a toa que a maioria dos historiadores define a história em linhas do tempo. Nossa vida, que encerra toda uma história, pode ser também estirada assim... Afinal, tem começo, meio e fim, né? Tá certo, às vezes são vários começos, vários fins... Ora, bem como as estradas!

Pensa só: uma rodovia que segue seu caminho, de repente chega num trevo... dali surge uma outra estrada, que segue um outro caminho, com outras curvas, outros buracos, outras paradas... Assim é nossa vida: surge de outra vida (dos nossos pais), segue seus caminhos, tem seus problemas, suas mudanças... E viver, então, é guiar por esta estrada.

Há momentos da vida, em que a estrada faz curvas. O engraçado é que, na maioria destas “viradas”, a gente nem queria mudar de direção. Mas muda! E ai de nós, se não mudamos... Sair do asfalto é um perigo: a gente pode capotar e voltar pra estrada vai ser muito difícil. Nesses momentos de curva, diminuir a velocidade é interessante, porque aumenta a nossa estabilidade. E tem aqueles buracos chatos também... pra desviar – sem acabar com a suspensão – é preciso reduzir a velocidade, mais uma vez. Tem uns que mais parecem crateras: o negócio é parar e passar bem devagar por cima, ou fazer o contorno por fora. É chato, mas se a gente não faz assim, acaba parado no meio do caminho. E assim não pode ficar...

Tem horas que a estrada é duplicada e fica tranqüilo a gente andar... tem horas que ela afina, porque passa numa ponte, sobre um rio, riacho ou ribeirão. Tem uns pontos tão destruídos, que a saída é reformar mesmo... Aí, a companhia de rodagem, que cuida das rodovias, vai encher o trajeto de cones, máquinas, gente trabalhando pra melhorar a situação. Aí, tem horas que o asfalto simplesmente some e sobra aquele terreiro, sem conserto, e você tem que seguir. Vai deslizar? Vai. Vai sujar tudo? Oh, se vai. Mas segue, porque lá na frente o asfalto volta, a sinalização melhora e aí... ah, tudo vai bem.

Uma coisa legal sobre estradas é que elas sempre nos levam a algum lugar (mesmo que esse lugar seja “lugar nenhum”). Algumas passam por dentro de povoados, cidades, metrópoles, ou simples postos de beira de estrada. Outras passam por fora. O que muda nossa experiência vital nestas estradas? Ora, a intensidade com a qual você experimenta cada local: em alguns, o envolvimento é tão grande que a gente acaba parando pra curtir melhor o lugar. Mesmo que seja um simples posto de beira de estrada.

Em um determinado momento, vai sair de nós um braço de caminho, ou então vamos cruzar outras estradas, que podem gerar outras rodovias, grandes, pequenas, retas, sinuosas, largas, estreitas, tapetões, buraqueiras... São as outras vidas que geramos, ou que participam das nossas vidas: pais, irmãos, filhos, outros familiares, amigos... O importante é seguirmos nossa estrada, que um dia vai acabar, isso é fato. Mas até lá tem tanto asfalto...


Não costumo escrever autoajuda. Mas vai que preciso disso pra viver um dia...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Respeitável frota!...

por Daniel Gutierrez

“Vai, que fechou,” exclama o mais alto. E corre pro meio da faixa de pedestres. O outro, logo atrás, junta os pinos e o monociclo – que beira um metro e meio de altura, do selim à extremidade da roda. Corre, sobe no negócio com destreza... menos de um segundo e já está equilibrado. Os malabares começam a girar no ar: são três pra cada. Primeiro, os meninos jogam as claves para o alto, sem trocar. Depois, com ar de provocação, como quem quisesse atrapalhar o outro, um deles lança um pino entre os do parceiro, que devolve um dos seus. O ato é repetido, sem que os espectadores demonstrem cansaço. Por fim, os dois pegam as seis claves, levantam os braços, o que estava no monociclo pousa no chão como pluma. Hora do agradecimento, sem aplausos. Todo esse espetáculo dura meio minuto e tem apenas um holofote: a luz vermelha do semáforo.

Assim que acaba o show, a platéia se retira, mas não sai por onde entrou: invade e atravessa o picadeiro, que não tem lona, nem cortinas – tem asfalto e faixas no chão. A paga é boa? “Nada... um ou outro motorista joga uma moeda pela janela enquanto a gente tá brincando. No fim do dia, a gente tem uns trocados”, conta Sil, o menor. “Mas dá pra viver”, retruca o outro. “É. Dá.”

Da calçada, vê-se dois artistas mostrando suas habilidades – espetáculo digno de estar em cartaz nestes gran-circos que a gente vê por aí. Quem assiste? Os olhos frios, acesos nos faróis de cada veículo. Os rapazes entram, dão show, saem... mas a expressão é sempre a mesma: Gols, Corsas, Unos e tantos outros apreciam, não a arte no sinal, mas a mágica bicromática do semáforo.

“Esse povo que vive e trabalha em circo não passa os dias melhor que a gente, não,” garante Sil. “A gente é livre. Só muda de esquina quando o movimento muda de lugar.” Para o mais alto, o circo de rua só inverteu a ordem das coisas: “Lá, eles esperam a cortina abrir. Aqui, a gente espera o sinal fechar.”


Publicado no Jornal do Ônibus de Ribeirão Preto, na edição de novembro de 2010.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Qual sua opinião sobre neoliberalismo?

Depende. Numa sociedade que precisa crescer, ou numa sociedade que está em decadência?

Pergunta logo, não enrola.

Que é o mistério da fé, pra você?

Vamos lá: "O Mistério da Fé" é o próprio Cristo, Deus que se faz homem, fazer-se pão, tornar-se refeição e, assim, objeto de comunhão fraterna entre os homens. Isso é, catolicamente falando, claro. Mas posso definir que a fé, como mistério, é a força que faz a humanidade crer em algo a ponto de depositar a própria vida nisto.

Pergunta logo, não enrola.

Numa redação: cogito ou poiesis?

Cada jornalista vai responder uma coisa. Eu diria exatamente nessa órdem: cogito + poiesis. Jornalismo é reportar a verdade (que o jornalista vê), mas alguns recursos literários permitem escrever com uma liberdade maior (em termos de criação), sem deixar de dar a notícia.

Pergunta logo, não enrola.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Da série "esporros políticos" - no. 1

por Daniel Gutierrez

Recebi um e-mail daqueles que falavam punham Dilma Rousseff como terrorista. Aquelas cartas de conspiração tucanista, apelando pra meias verdades, textos quase pró-ditadura. Um saco!

Galerinha, fique bem claro: não sou petista, nem dilmista. Apóio o governo Lula, em comparação com o governo FHC. Minha escola política começou vermelha, sempre fui a favor do Comunismo, hoje sou Socialista, bem mais realista e racional. Hoje, minha bandeira é verde, sou filiado ao PV e apóio a candidatura de Marina Silva.

Acontece que já não é a primeira vez que recebo um e-mail destes... mas hoje, cansado de tanto receber essas correntes -- na minha opinião, burras -- decidi responder ao meu remetente, com todo o respeito. E abaixo segue meu texto:

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É interessante saber também que os homens que "serviam à patria" naquela época, serviam à ditadura que suprimia a liberdade e reprimia o povo. Vale lembrar também que José Dirceu não está mais no poder desde as atrocidades do mensalão. Tarso Genro é também um zero à esquerda. E eu não sou dilmista, nem petista.

Os pró-ditadura que hoje usam o número 45 pra voltar ao poder do país parecem preferir o Brasil como era naquela época: servindo apenas à roda alta da sociedade, sob o uso da repressão e da violência contra as classes menos favorecidas.

Pra conhecer os verdadeiros governos ditatoriais ainda presentes no país, busque saber os meios que os governantes do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Pará, etc. usam pra manter o controle em seus Estados: capangas, grileiros, leões-de-chácara, matadores. Lembra do caso da irmã Dorothy Stang, freira missionária que morreu assassinada em Anapu, no Pará, por defender os direitos das minorias e do meio-ambiente.

É fácil ceder a conspirações bem tramadas. O difícil é ser desconfiado das asneiras que escrevem pra continuar enganando o povo. Mas a culpa é do próprio povo, que se deixa enganar pela simples preguiça que tem de correr atrás das verdades reais. Daí acaba aceitando as verdades maquiadas, montadas diabolicamente pra que o poder volte a servir quem não precisa dele.

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Pronto, falei. hehe

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Passárgada, quiçá pras férias!

por Daniel Gutierrez


Fui-me embora pra Passárgada, primeiro porque falaram que lá era uma terra com palmeiras onde cantava o sabiá. Como não bastasse, me convenceram que as aves que aqui gorgeiam, ih rapaz... não gorgeiam como lá, nem de perto. Aí, como eu tava de saco cheio desse mundinho aqui, deu na telha: vou conhecer Passárgada.

Quando cheguei -- olha o baque -- vi que lá tudo era assim: dentista banguela, coiffeur careca, nutricionista obeso, adolescente velho, enfim. Era tudo muito louco, tudo ao contrário... Bom, nem vou comentar os políticos do lugar... Não tinha UM sequer que fosse corrupto.

Ah, bicho... pensei comigo: tá tudo muito errado! Juntei as trouxas e deu na telha de novo: olha eu cá de volta. Passárgada, enfim, não era pra mim.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Carneficina

por Daniel Gutierrez

As manchas de sangue dominavam cada greta, cada canto, cada rachadura das paredes, do chão, e daquela mesa -- imunda, com lascas de carne, osso e gordura. O aspécto mórbido do salão era completado pela essência fétida de carne morta, fresca. Do silêncio que emanava dali, não se podia partilhar da dor que resultara dos golpes de machado e marreta que mataram tudo que ali estava morto.

Das duas passagens que havia na sala, uma estava cerrada e tinha uma portinhola vazada. Da outra, se via sair certa fumaça, de tão frio que era o ambiente além dali. Interrompe este vapor um homem: imenso, pálido, de barba cerrada, não menos que a porta. Numa mão, uma carcaça, empunhada pelo osso... talvez um fêmur, quem sabe...? Na outra mão, 50 centímetros de lámina, reluzindo no corte de tão afiada.

De um só movimento, jogou o pedaço de cadáver na bancada, ainda suja. De um só golpe, cortou com o cutelo uma farta porção daquela carne. Tinha na face um olhar de prazer, como quem bem cumprisse seu trabalho.


Lá de fora, um grito irrompeu aquele silêncio... e pôs ao chão a macabreza de todo o conto:

"Oh, seu açougueiro! Se for de porco, quero três bifes desse pernil!"


Vale lembrar que não sou vegetariano. Os motivos deste continho são: brincar com nossas capacidades de percepção, além de levantar um autoquestionamento sobre o modo, muitas vezes indigno, com o qual tratamos os animais que usamos pra nossa própria sobrevivência. Se, com você, consegui cumprir só um desses dois intuitos, estou feliz.

terça-feira, 6 de julho de 2010

De passagem

por Daniel Gutierrez


Naquele momento, bêbado de tédio, abri um olho com dificuldade e vi a Vida passando. Lenta. Quase parada. Com tudo que é força que consegui juntar, perguntei:

"Você ainda demora muito pra acabar?"

A Vida, com ternura no olhar:

"Volta a dormir. Eu ainda nem vesti as luvas!"

terça-feira, 29 de junho de 2010

Ao Brasil dos brasileiros

por Daniel Gutierrez

Anda, Brasil!
Anda que tens sorte!
Corre, Brasil!
Corre a fugir da morte!

Apressa-te, Mãe!
Esconde o que o Pai te deixou
Do mundo Mãe...
Vê que Padrasto te restou...

Ó vasto mundo...
Vasta é a nossa beleza!
Basta com tudo!
Inútil com tanta tristeza!

Parabéns pra você,
nesta data esquecida.
Muitos quens são quem fazem
uma Pátria caída.

Em esperança me baseio
Algo heróico hei de fazer!:
"Que eu veja o País livre
tempo antes de eu morrer!"


Escrito em 5/9/2003, quando eu era o número 33 do 1º colegial I, na E.E. Constante Ometto. Nacionalista, desde cedo e graças a Deus! No original, o nome do poema era "Brasil Independente?"

terça-feira, 1 de junho de 2010

Virose

por Daniel Gutierrez

Então a família descobre que o rapaz havia contraído AIDS e precisava tomar os coquetéis e todos aqueles cuidados. Para todos, o baque era o mesmo: um choque! Ninguém entendia, não sabiam direito o que era a doença.

O irmão mais velho tentava não pegar o mal: escondia toalhas, separava os talheres, mantinha os próprios copos, pentes e tudo mais.

A mãe lavara as roupas de cama, secara. O pai se incumbiu de vestir os colchões, mas trocou as fronhas: pôs a do mais novo no travesseiro do mais velho.

O mais velho viu a falha e ralhou com o pai.

O mais novo ouviu o barulho a tempo de protestar: "Ei! Eu tenho AIDS! Não resfriado..."

segunda-feira, 31 de maio de 2010

A prima da debutante (ou 16)

por Daniel Gutierrez

Era um par de pernas
brancas, finas.
Bom, o que se via era tudo
que havia entre a boca
do sapato (vermelho) e a barra da saia (preta):
tornozelos, canelas, joelhos.
Mas eram lindas
aquelas pernas...
Perfeitas.

A clínica crítica ocular me forçou:
isso é tudo? pernas puras,
perfeitas?
Antes do fim desta auto-indagação
meus olhos procuravam o que ver.

Parou num parêntesis
na outra ponta da saia: a de cima.
O conteúdo daquela observação
era hipnótico.
Na linha de cima,
o ventre era parcialmente visível:
uma fartura – modesta,
mas satisfatória –
moldava a frente de uma cintura
jovem.
Aquela imagem me levou a pensar
no crime que estava prestes a cometer.
(breve instante de razão, que reluziu pouco)
Ainda estupefato com aquele olho
chamado umbigo
me encarando, de lá pra ca
– Naja, Meduza... Maldita!,
sinto o gelo do olhar dos olhos de cima, verdes
que me perceberam contemplando
aquele ventre jovial.

O rosto era fino, claro, inocente,
(Capaz!)
o cabelo liso, solto, preto
Eu, estático.
Ela, uma onça vindo buscar a presa.

Perto,
ela dançava. Eu, não.
Mais perto,
sussurrou: “16”. E mordiscou-me o rosto.

Mas foram só segundos.

Horas depois, lençóis (róseos)
faziam a vez daquela saia (preta).
E, já sem os sapatos,
(As unhas eram laranja.)
aquele par de pernas me era um laço.

E a prima da debutante
fora a mulher pra noite inteira.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Um facto sobre o fato

por Daniel Gutierrez

Tem horas que a gente trupica no próprio costume, nos dois sentidos dessa última palavra. O evento da noite era o "Prosa de Saberes", com o Embaixador Lauro Moreira, diplomata chefe da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa no Brasil. E eu fiquei incumbido de cobrir o evento para a rádio Eldorado, aqui de Ribeirão, onde trabalho. Bom, o evento estava marcado pra ser no Instituto de Línguas Estrangeiras da Unaerp, onde estudo.

Como não podia deixar de ser, o palestrante destacou no evento algumas peculiaridades e diferenças de uma mesma língua nestes quase dez países lusófonos. Daí que aprendi que, em Portugal, o que pra nós é fato (indispensável ao jornalista, pois é de onde se compõe a notícia), para eles é facto. O que para eles é fato, para nós é roupa, costume, vestimenta. Todo este enrolabolas, eu fiz para poder trocadilhar o seguinte, em Português português: o facto é que meu fato foi mal pensado.

Errei a roupa, bolas! Era um bando de pseudo-intelectuais ouvindo um verdadeiro intelectual, mediado pelo meu colega e amigo Marco Antonio dos Santos, e este jornalista cabeludo, barbudo, chega ao local de camiseta, bermuda e chinelo. É. Eu fui cobrir um evento assim. E claro, com o gravador, o bloquinho e a caneta em mãos. Esqueci que ia trabalhar antes da aula... Me vesti como costumo ir para estudar! E deu no que deu.

As organizadoras do evento, senhoras (madames, peruas, chame como quiser) do curso de letras, TODAS me olharam de cima abaixo, e perguntaram o que eu fazia ali. Eu, mostrando o gravador, respondi, todas as vezes: “sou Daniel Gutierrez, da Rádio Eldorado daqui de Ribeirão. Vim cobrir o evento.”

Ouvi pacientemente o Seo Lauro falar -- muito sabiamente, e por quase duas horas -- da história dos países lusófonos, desde Portugal até o Timor Leste, passando por Brasil, Moçambique e todos os outros. No fim, fui tentar pegar com ele um horário pra conversarmos ao vivo na rádio. À senhora loura (pálida) de vestido longo, coordenadora do curso de Letras da Unaerp, pedi licença. O mesmo fiz com Fatu, coordenadora do evento, se não me engano, ou algo assim, e com um senhor alto, negro (lembrava o Seal, sem as cicatrizes no rosto), de voz grave, terno preto de risca de giz, que acompanhava atentamente a tal da “prosa.”

Fui falar com Seo Lauro, que ainda sentado, me acolheu com educação, requinte e cordialidade ímpares, apesar dos meus incorretos cabelo, barba e vestuário. Peguei seus telefones e prometi ligar na semana seguinte pra conversarmos ao vivo na rádio (ele estava de mudança para Ribeirão, e o caminhão sequer havia descarregado seus bens naquele momento).

Ali eu entendi a diferença entre quem sabe e quem não sabe das coisas: eu buscava conhecimento. Nu ou vestido, não importava, ora pois. Afinal, quem queria saber era eu. Não meu fato.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

C

por Daniel Gutierrez

Cães castrados comem coco no chão.
Como coubesse, caras chatos cruzam a cela
clara... centenária.

O canto, cálido, começa a ceder.
Cai cocô no colo de Cesar...
Credo em cruz! Cada coisa...!

Crescem cedros cascudos e contorcidos;
Culminam cidras... cem cementes cravadas,
corretamente criadas.
Certamente, çairam de casa çanta.

Chove, o céu ta cinza e o clima é cool.
Ce não focem tantos cês,
ceriam também deste texto
cama, colcha e colchão. e çono.

Buonna cera.

terça-feira, 9 de março de 2010

Apelo pela boa lembrança

Por Daniel Gutierrez

Lembrem-me, senhoras e senhores
de sorrir mais.
O dejejum com sabor de sorriso
é mais bom dia.
É melhor o dia
se o amanhecer é um beijo.
E melhora o beijo
se o desejo não falta.

Lembrem-me, senhoras e senhores
de ser mais gente.
Que o urgente é ser feliz.
E que o gris é sempre gris
se eu não deixar o cinza ser azul.

mas Lembrem-me, senhoras e senhores
que o hoje já se foi.
Mismo que se pase hoy
lo que se haya deseado por toda la vida.

Convém querer, querida,
que o amanhã demore,
pois o agora
devora.

e Lembrem-me, por fim, senhoras e senhores
que esquecer é preciso.
Mesmo que seja o sorriso
da manhã.
E que a falta dos dentes
reluzindo à mostra noutra boca feliz
se nos torne um chamariz
a sorrir outra vez.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A irmandade dos periquitos

Por Daniel Gutierrez

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E a Natureza não se cansa de nos dar lições de vida que são, na verdade verdadeiros tapas na cara.

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Eu chegava na Rádio hoje, às 6h50, e presenciei uma atitude que me fez respirar fundo e pensar com a inocência de um menino. 20 anos depois. Com um paco de jornais na mão, ouvi a gritaria de um bando de maritacas ou maracanãs, não sei, muito comuns aqui pelos lados da Unaerp. Elas voavam juntas, na mesma direção, fazendo revoada. Era como se montassem uma núvem. Percebi que atacavam algo.

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Depois disso, notei um gavião, bem maior que os periquitos, fugindo das investidas das dezenas a grasnar. Pensei, olhando pro alto feito um mané: quando esses pequenos estão ameaçados ou com medo, se juntam e lutam contra o predador. Quantos de nós, se presenciamos um roubo ou assalto, por exemplo, não viramos as costas e fingimos não ter visto?

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Tá faltando mesmo é a fraternidade dos periquitos.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Celebrando

por Daniel Gutierrez

Um cara legal, colega de sala na faculdade, conhecido há menos de um ano e aparentemente sem vícios descansava sob a sombra de uma árvore. De repente, ele tira do bolso da camisa um charuto. Em seguida, um isqueiro. Bota o 'cigarro' (em espanhol) na boca e acende.

Eu, que passava por perto, estranhando, cumprimentei.

"João! Bom dia!"

Ele respondeu.

"Bom dia, Bob."

Eu, ciente de que nunca o vira fumando, puxei assunto.

"Não sabia que você fumava. Pelo menos, nunca tinha visto..."

Ele: "E não fumo!"

Eu, já rindo: "Ah, não? E esse charuto faz o quê na sua boca? É pra espantar o Aedes Aegypti?"

Ele, tão piadista quanto eu: "¬¬."

Prosseguiu: "Esse charuto é um hábito que cultivo, Bob. É só pra ocasiões especiais."

Eu, curioso e festivo: "Hm. O que celebramos?"

João: "Faz um ano que parei de fumar."

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Faltou luz em RP? É tudo (ou quase) culpa de um galho

por Daniel Gutierrez


CPFL culpa árvores pelas frequentes quedas de energia elétrica, mas admite que rede está desatualizada e promete melhoria, embora sem previsão.


Sai ano, entra ano, e os moradores das regiões Leste e Sudeste de Ribeirão Preto continuam sofrendo com um problema recorrente. Estamos falando da falta de energia elétrica que – basta armar tempo de chuva – surpreende a comunidade. Principalmente se o vento vier junto. A verdade é que, já em 2010, o contribuinte ainda corre riscos de perder equipamentos eletrônicos em razão do pisca-pisca e passar a noite à luz de velas, por necessidade, não por opção. Uma das razões para a ineficiência da rede elétrica é tão resolvível quanto indispensável na cidade. De acordo com a Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL, responsável pela alimentação de energia elétrica na cidade, é por causa de algumas árvores que “acaba a força”.

Luis Carlos Valli, gerente da CPFL Regional de Ribeirão Preto explica que a arborização inadequada é uma das principais razões para os cortes de energia elétrica quando venta. “Quando ocorrem temporais, não só nesses bairros, mas na cidade toda, 90% das faltas de energia é por arborização, que toca na rede e acaba desligando o circuito.” Segundo ele, acontece o mesmo que nas residências, quando ocorre curto-circuito: para não haver maiores danos, o disjuntor derruba a corrente elétrica, por segurança. “Quando um raio, outdoor ou árvore atinge ou rompe um cabo, ele tem que cair no chão desligado.”

Neste caso, Ribeirão Preto possui árvores demais? Não, e o próprio gerente da Companhia endossa essa visão. Ele diz que a cidade precisa de mais verde. O problema, segundo ele, é que muitas árvores são plantadas inadequadamente. “Para plantio sob a rede de energia, são mudas que crescem no máximo 4m de altura. Estas não vão dar problema na rede, porque não chegam a tocá-la, e também não atingem as tubulações de água e esgoto, porque suas raízes não são tão profundas.”

Segundo Valli, a CPFL trabalha numa campanha ao mesmo tempo ambiental e de diminuição dos problemas com a energia elétrica: “Nós já doamos à Prefeitura Municipal de RP aproximadamente 8 mil mudas, e vamos continuar doando árvores adequadas para serem plantadas sob a rede.” Ele afirma que apenas plantar árvores corretamente ajuda, mas a poda das que foram plantadas incorretamente também é indispensável: “Já podamos mais de 40 mil árvores em Ribeirão Preto.”

Agora, as árvores que são nativas, ou seja, estavam lá antes de chegar a rede elétrica, ou até mesmo as que foram plantadas incorretamente e ainda não estão condenadas pela segurança pública, por lei ambiental não podem ser cortadas, isto é, desmatadas. E como o próprio gerente afirma, o serviço de poda precisa ser refeito de tempos em tempos, porque a árvore podada continua ali e outros galhos crescem, atingindo novamente a rede elétrica. Assim, o retrabalho acaba acontecendo, o que gera, além de gastos, a certeza de que o problema não foi resolvido permanentemente. É certo que é por segurança que a eletricidade é automaticamente cortada, mas a população dos bairros atingidos também não pode ficar sem energia a qualquer vento que sopre um galho na rede. Haveria então uma maneira de prevenir que houvesse os cortes de luz enquanto a situação das árvores não é permanentemente regularizada?

Segundo Luis Carlos Valli, sim. E esta solução tem um nome: rede compacta. “A gente tira aquela rede comum que se tem hoje – que são os fios nus – e coloca uma rede com os fios protegidos.” Estes cabos seriam mais imunes aos impactos sofridos durante ventanias e diminuiriam significativamente a quantidade de cortes momentâneos de luz, em comparação com o que se tem atualmente. Valli ainda afirma que a CPFL deve “agora, no início do ano, trocar todo o [cabeamento do] quadrilátero central da cidade.” Segundo ele, as redes novas de Ribeirão já são feitas com este tipo de cabos, mas 90% da cidade, inclusive as regiões Leste e Sudeste, ainda usa cabos nus – “a gente vai substituindo isto gradativamente”. O gerente da CPFL não possui uma previsão de quanto tempo deve levar até que a cidade tenha toda a rede atualizada.

Subestação Leão XIII dá conta, mas vai receber reforço

A Subestação Leão XIII, que fica na avenida de mesmo nome, no bairro Ribeirânia, foi reformada em 2003 e, desde então, tem potência de 51 megawatts, com capacidade para chegar a 80, conforme disse Luis Valli. Para ajudar a entender, 50 megawatts é potência suficiente para atender, em média, uma população 50 mil habitantes. O gerente afirma que entre fevereiro e março deste ano, deve ser instalada uma nova subestação no final da Avenida Professor João Fiúza, que deve auxiliar bairros das regiões Sul e Sudeste. “Vai até dar uma melhorada na qualidade da energia, (...) mas quanto à falta de energia ou ‘pisca’, recorrente de impactos na rede, não”, conclui Luis Carlos Valli, gerente da CPFL Regional de Ribeirão Preto.

Este texto será publicado na próxima edição do Jornal da Região Sudeste, que circula na região Sudeste (ah, vá!?) de Ribeirão.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Um dia, um adeus

Dei de cantar agora, vê se pode...

http://www.youtube.com/watch?v=YLAvZ8mXHMc

Música de Guilherme Arantes.